Alexsandro Potiguara

Saudades

Sempre que retorno à aldeia tenho uma imensa saudade e vontade de experimentar novamente tudo que vivi na infância. Para que você possa entender esse desejo irei lhe contar um pouquinho da minha história com a Mãe Terra.

Ao tomar consciência de minha existência, percebi que morava numa cidade chamada Mamanguape, que fica ao norte do estado da Paraíba. Lembro-me que em cause todos os finais de semana ia visitar minha avó na reserva indígena. Por que eu morava na cidade em vez de viver na aldeia com ela? Porque minha mãe, que é indígena, casou-se com meu pai, que não é. Os detalhes dessa história você pode encontrar no livro “Memórias do Movimento Indígena do Nordeste”, que também faz parte da coleção “Índio na visão dos Índios”.

Uma das melhores partes das visitas à aldeia era ver meus parentes e juntos com meus irmãos, primos e primas nadar no rio. Ainda não tínhamos a malícia da sensualidade no coração, por isso, nadávamos desnudos, sem o pudor criado e imposto pela igreja às diferentes culturas. Estávamos apenas aproveitando a infância, a liberdade, desfrutando o melhor da vida.

Uma de nossas brincadeiras favoritas ocorria na época da colheita da manga. Pegávamos uma bacia e a enchíamos com a fruta. Carregávamos a bacia até o rio e jogávamos todas as mangas dentro dele, em seguida, caçávamos as mangas e degustávamos a fruta lá dentro do rio mesmo, enquanto brincávamos de pega a pega dentro da água.

Ao sair do rio, minha avó nos chamava para almoçar. Sempre tinha um peixe fresquinho para misturar com feijão e farinha. Farinha produzida na própria aldeia e peixe pescado no rio ou no mar, que fica a uns 15 km de distância da aldeia. Depois do almoço, alguns continuavam a brincar e outros tiravam um cochilo.

A noite era uma maravilha! Pois a energia elétrica ainda não havia chego, então, olhávamos mais para o céu e contemplávamos uma imensa escuridão acompanhada de vários pontos reluzentes. As histórias ganhavam maior realidade dentro da nossa imaginação, principalmente as que envolviam assombrações. Mitos e ritos que ficavam na nossa mente e nos levavam a um sono profundo e, às vezes, revivíamos essas histórias no mundo paralelo; no mundo do descanso, mundo que, muitas vezes, mostra uma realidade que não enxergamos e nos avisa sobre o que está por vir e como prevenir-se de alguns males.

No ano passado (2017) minha avó fez a passagem – você pode conhecer um pouquinho da história dela no livro “Memória da Mãe Terra”. E neste ano, quando voltei para a aldeia, ao mesmo tempo em que senti sua falta também não senti, pois, por mais que ela não estivesse ali em corpo presente, senti um bem-estar ao perceber que ela ainda continua lá.

“A história continua, se não for neste será em outro livro, mas ela nunca terá fim”

Alexsandro Potiguara